Carência de um olhar

"Carência de olhar, um nome bem agradável para nominar o momento em que vivem as pessoas deste tempo... Sim! Há cegos, que enxergam, por todos os lados..."

Estes foram meus pensamentos quando sai aquela noite da casa de minha querida filha. Convidaram-me para um jantar em família. Viviam dizendo que depois que Paulo, meu esposo, havia falecido eu me tinha me isolado do mundo, que não podia ficar só, precisava conviver com meus netos...

Eu sei que a história não é bem como eles pitam, já que todos os dias faço minha caminhada pela manhã, compro meu jornal para ler no banco da praça central de minha pequena cidade e ao retornar para casa ainda tenho um tempo de olhar as caixas de entradas do Email pessoal e daquele blog onde ando a escrever alguns pensamentos. 

Mas aqui, já com meus 70 anos, não vou discutir com filhos sobre o que devo ou não fazer, aceitei o convite e no dia marcado lá estava com minha pequena mala e uma grande curiosidade. Queria saber como estavam Renata e Felipe, meus netos queridos. 

Fui recebida por Carlos esposo de minha filha Júlia. Disse-me que ela estava para chegar do trabalho, me mostrou um quarto preparado para mim e me deixou a vontade... Quando retornei à sala, vi Renata na cozinha, tinha acabado de bater com toda a força a geladeira porque não achara seu suco e sabia que o irmão havia tomado. Passou por mim e nem um um "-Olá! tudo bem?" Na minha época passar pelos avós e não tomar a bênção era uma tamanha falta de respeito, mas os tempos são outros e eu ficaria feliz com um Olá, mas ele não veio...

Sentei-me na sala e de repente Felipe passa correndo com um avião de brinquedo. Abri um sorriso, mas ele nem me reconheceu. Parou me olhou e seguiu para o seu quarto... Não havia dois meses desde o nosso último encontro. 

Liguei a televisão e fui passando os canais, procurava algum daqueles que costumava assistir em minha casa, mas foi impossível. Não assinavam os mesmos canais que eu. Parei em algum mais voltado pra o que eu gostava e fiquei ali entre as imagens da TV e meus pensamentos.

Carlos saíra para buscar Júlia e quando chegaram, falavam sobre se arrumar rapidamente e também às crianças para irem à uma festa da empresa onde Júlia trabalhava. Quando me viu Julia deu um sorriso amarelo como se não esperasse me ver por ali. 

Fizeram às pressas um jantar, tentando disfarçar a confusão. E na hora de sentarmos à mesa cada um com seu telefone, rindo para si, olhavam apenas para o prato e as telas. 

Após terminado o jantar fomos todos para a cama.Eu esperei que dormissem e assim que o dia clareou peguei meu carro e voltei para casa. Deixei um bilhete para cada um dos meus netos e um em conjunto para minha filha e Carlos. 

" Renata querida, fiquei feliz em vê-la ontem. Estás uma moça! Uma pena não termos conseguido conversar, mas fiquei feliz em poder ver o quanto você tem crescido. Ah, sua avó já está velha por isso se sente à vontade para falar. Fique feliz ao invés de brava porque teu irmão pegou o teu suco. Primeiro porque você tem um irmão e segundo porque vocês tem sucos para beber... Filha, há muitos que queriam estes presentes e não tem. 
Abraço de sua velha avó!"

Felipe, meu garoto. Acho que você nem notou que estive em sua casa ontem né!? Mas sem problemas, há sempre tempo de encontrarmos nossa família e dizer que lhes amamos. Hoje vim dizer a você que te amo. E lhe dar um conselho. A gente não deve mexer nas coisas que não nos pertencem, mesmo aquelas que estão dentro de nossa casa. Isso se chama respeitar privacidade daqueles com os quais convivemos. Ah... Cuidado quando estiveres brincando, observe bem quem está em tua casa. Ás vezes a gente se perde ou perde alguma coisa porque nos faltou um pouquinho mais de atenção!

Abraço de sua velha avó!

Julia e Carlos, obrigada pelo jantar que me ofereceram. Sei que fizeram de coração. Também agradeço a preocupação quanto à minha saúde, mas tenho que lhes dizer que estou muito bem, convido vocês para vir à minha casa quando sobrar um tempinho. Creio que será muito divertido. Uma coisa que observei ontem... Durante nossa refeição vocês pouco olharam para os meninos, tomem cuidado viu! De repente eles podem crescer e vocês tomarem um susto perguntando em que lugar ficaram parados!

Abraço meus queridos!

E quando cheguei à minha casa, liguei para minhas amigas. Passamos uma tarde linda, conversando sobre aquele livro que combinamos ler no último mês.  Tinha um pouco de relação com o que eu vira na família da minha filha. E minha última frase na discussão foi:

"A gente aprende a viver vivendo! Por isso a importância do olhar.
Aprender olhar, ouvir e viver são as melhores  fases da vida!"

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